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Resenha Is growth in consumption occurring where it is most needed? An empirical analysis of current energy and material trends

Millward-Hopkins, J., Hickel, J., & Nag, S. (2025). Is growth in consumption occurring where it is most needed? An empirical analysis of current energy and material trends. The Lancet Planetary Health, 9(6), e503-e510.

 

Resenha de Lucas Lima (GEMAECO) em 17/09/2025

 

Preparado pelo Microsoft Designer.

 

Foco e problema de pesquisa

Este estudo de modelagem empírica investiga se o aumento no consumo global de energia e material está acontecendo em regiões onde é mais necessário atender às necessidades humanas básicas ou se estão exacerbando as pressões ecológicas. O artigo destaca que, embora o uso global de energia e materiais exceda os limites planetários, bilhões de pessoas ainda não têm acesso às necessidades básicas.

Os autores estimaram os requisitos mínimos de energia e material para o bem-estar humano, conhecidos como Padrões de Vida Decentes (DLS). O estudo visa determinar se os países com déficits de consumo de energia e materiais estão aumentando seu consumo para níveis suficientes e se os países com consumo excedente estão reduzindo para níveis sustentáveis.

 

Metodologia

O estudo comparou as pegadas nacionais de energia e materiais com os requisitos estimados de DLS para cada país, considerando as necessidades das populações mais pobres. Ele avaliou a proporção de países com déficit e superávit no consumo de energia e material e avaliou seu progresso em direção ao DLS, considerando as taxas de crescimento atuais. Para países com déficits, o tempo necessário para atingir níveis suficientes de DLS nas taxas de crescimento atuais foi calculado. A metodologia envolve o ajuste dos limites de DLS para contabilizar as desigualdades dentro do país, usando coeficientes de Gini para garantir que os consumidores mais baixos atendam aos requisitos de DLS.

 

Resultados encontrados:

1) Desequilíbrio global: atualmente, o mundo usa aproximadamente 2,5 vezes mais energia e materiais do que o necessário para alcançar o DLS para todos, mesmo com as distribuições existentes dentro dos países (cerca de 1,5 vezes mais).

2) Deficiências generalizadas: cerca de 50% das nações enfrentam um déficit de energia e 46% têm um déficit de material. Para a maioria desses países, o crescimento atual no uso de energia e materiais é muito lento para atingir o DLS até 2050, com projeções de que pelo menos um em cada cinco países (20%) permaneça em déficit até 2100.

3) Consumo excedente exacerbado: os países com consumo excedente apresentam taxas de crescimento quatro vezes maiores do que aqueles em déficit, intensificando as pressões ecológicas.

4) Crescimento mal direcionado: o crescimento no uso de energia e materiais está ocorrendo principalmente em países que não precisam dele e não está acontecendo com rapidez suficiente (ou está diminuindo) em países que precisam.

5) Desigualdade e convergência: grandes desigualdades persistem entre os países, com o consumo nacional de energia variando significativamente (por exemplo, de 3 GJ per capita por ano em alguns países africanos a mais de 200 GJ nos EUA). A convergência entre o Norte e o Sul globais não está acontecendo com rapidez suficiente. Nas taxas atuais, ela não ocorrerá nos próximos 100 anos. Então, reduzir a desigualdade interna para um coeficiente de Gini de 0,2 poderia reduzir significativamente a energia e o material necessários para atingir o DLS.

6) Projeções futuras: mesmo em 2100, estima-se que 18% dos países permaneçam com déficit de energia e 13% com déficit de material de acordo com as tendências atuais. Essa privação poderia ser reduzida para 13% em energia e 10% em material, reduzindo a desigualdade dentro dos países para um coeficiente de Gini de 0,2.

 

Conclusão

O mundo não está progredindo em direção a um futuro justo e ecológico para todos. Uma redistribuição significativa do uso de energia e materiais, tanto dentro quanto entre os países, é necessária para alcançar o DLS e, ao mesmo tempo, atender aos objetivos climáticos, como o Acordo de Paris (COP15). Essa redistribuição é fundamental para um progresso mais rápido com menos pressão ecológica. As implicações políticas incluem políticas industriais e investimentos públicos para acelerar a produção relacionada ao DLS em países com déficits e estratégias orientadas para a suficiência (por exemplo, reduzir a produção e o consumo menos necessários) em países com altos níveis de consumo de energia e materiais.

 

Análise de algumas nações com déficits de energia

Neste estudo, vários países são identificados como tendo déficits de energia, o que significa que seu consumo atual de energia é insuficiente para atender aos Padrões de Vida Decente (DLS – Decent Living Standards) de suas populações. Isso inclui:

 

Índia: apresenta uma necessidade estimada de Energia de Vida Decente (DLE – Decent Living Energy) de 20,5 GJ per capita por ano. No entanto, sua pegada energética atual é de apenas 17 GJ per capita por ano, representando um déficit significativo, pois representa apenas 44% dos 38 GJ per capita necessários por ano para garantir que os indivíduos mais pobres atinjam o DLS. Nas taxas atuais, projeta-se que as pegadas de energia da Índia não atinjam seus requisitos de DLE ajustados pela desigualdade antes de 2050.

Etiópia: projeta-se que a Etiópia permaneça com déficit de energia, não atingindo seus requisitos de DLE antes de 2060.

Bangladesh: está entre os países projetados para não atender aos requisitos de DLE antes de 2080.

Uganda e Malawi: são exemplos de países africanos de baixa renda com uso nacional de energia muito baixo, cerca de 3 GJ per capita por ano.

Brasil e África do Sul: embora o consumo atual esteja substancialmente aquém dos requisitos de DLE ajustados pela desigualdade, está acima do que seria necessário se a desigualdade fosse reduzida para um coeficiente de Gini de 0,2. Para esses países, os déficits de DLS poderiam ser resolvidos por meio de uma distribuição mais equitativa, em vez de precisarem de crescimento adicional.

 

Limitações do estudo

1) Natureza provisória da análise de consumo de material

Os resultados relativos ao consumo de material são considerados altamente provisórios. Uma análise mais abrangente dos déficits de Materiais de Vida Decente (DLM – Decent Living Materials) exigiria avaliar o uso de material pelos países, desagregando-o em todas as categorias de materiais necessárias e em todos os setores de consumo de Padrões de Vida Decentes (DLS), como edifícios, mobilidade, nutrição e saúde.

2) Contabilidade para infraestrutura e países com muitas exportações

Uma limitação significativa é que as contas de pegada de energia e material não alocam com precisão os impactos da infraestrutura, levando a uma subestimação das pegadas em países de alta renda e a uma superestimação em países com matriz produtiva primário-exportadora.

A pegada material da China parece alta (23 toneladas per capita por ano), mas uma parte substancial está ligada à infraestrutura construída para exportações. Embora esses métodos atribuam os impactos da produção de bens ao local de consumo, eles não levam em conta a infraestrutura que sustenta essa produção, o que pode significar que alguns países estão se saindo pior do que o indicado.

3) Garantia de padrões de vida decentes

Mesmo que os indivíduos consumam energia e materiais iguais ou superiores aos requisitos de Energia de Vida Decente (DLE) e Materiais de Vida Decente (DLM), a metodologia deste estudo não garante que eles alcançarão o Padrão de Vida Decente (DLS). As tecnologias disponíveis podem não ser tão eficientes quanto as assumidas nos cenários de DLE e DLM. Isso implica que mais energia e materiais podem ser necessários para atender ao DLS em áreas com alta dependência de carros ou habitações ineficientes, ou onde o consumo é alto em algumas categorias, mas baixo em outras.

4) Complexidade da análise da pegada de material

A limitação em relação à garantia do DLS é ainda mais complicada para a análise da pegada de material. O DLM agrega várias quantidades de material (por exemplo, madeira, cimento, metais), muitas das quais não são substituíveis. Consequentemente, as pessoas podem ter deficiências em bens, serviços e materiais específicos (representados pelo DLS), mesmo que o consumo total de material esteja acima de um determinado limite de DLM.

5) Lacunas de dados para países de baixa renda

O estudo reconhece que a proporção de países com déficits de energia e materiais é provavelmente maior entre os países não incluídos em seu banco de dados. Os dados de países de baixa renda estão ausentes com mais frequência, o que pode levar a uma subestimação da verdadeira extensão dos déficits globais.

6) Trajetórias populacionais e tendências demográficas

O estudo em dados per capita simplifica a abordagem ao evitar a integração das trajetórias populacionais. No entanto, isso significa que o estudo não leva em consideração como as principais mudanças nas tendências demográficas dos países podem influenciar o consumo futuro de energia e materiais per capita, o que pode ser particularmente importante para as economias emergentes. Pesquisas futuras poderiam (deveriam) incorporar esses fatores.

 

Síntese

Em resumo, embora o estudo forneça informações valiosas sobre os padrões globais de consumo, suas descobertas estão sujeitas a limitações relacionadas à natureza provisória da análise de materiais, aos desafios na atribuição de impactos na infraestrutura, às complexidades inerentes de garantir DLS apenas por meio de métricas de consumo e problemas de disponibilidade de dados, especialmente para países de baixa renda. Abordar essas limitações em pesquisas futuras fortaleceria a compreensão do consumo global e da equidade inter e intrageracional.

 

Relação entre os resultados do estudo e a Economia Ecológica

1) Alinhamento com os princípios da Economia Ecológica

As descobertas do estudo parecem estar alinhadas com os princípios da Economia Ecológica, destacando que os padrões atuais de consumo global são insustentáveis e desiguais, exigindo um afastamento dos modelos convencionais centrados no crescimento econômico infinito.

2) Apelo à redistribuição e suficiência

A pesquisa defende uma redistribuição substancial do uso de energia e materiais, dentro e entre os países, para se alcançar Padrões de Vida Decentes (DLS) com menos pressão ecológica. Isso se alinha com o conceito de “suficiência” da Economia Ecológica, que sugere que as necessidades humanas podem ser atendidas com significativamente menos energia e material do que atualmente são consumidos globalmente. Ademais, o estudo observa que as necessidades humanas poderiam ser atendidas com cerca de um terço do uso final de energia global atual e uma pegada material inferior à metade dos limites sustentáveis propostos.

3) Crítica ao crescimento em países superavitários

O artigo critica o fato de que o crescimento no uso de energia e materiais está ocorrendo principalmente em países que não precisam deles, embora não aconteça com rapidez suficiente em países que precisam. Isso exacerba as pressões ecológicas e ressalta a perspectiva de que o crescimento indiscriminado em regiões já ricas é prejudicial ao bem-estar coletivo.

4) Implicações políticas para um futuro justo e ecológico

Os resultados do estudo têm importantes implicações políticas que ressoam com a Economia Ecológica. Em primeiro lugar, para países com déficit absoluto, estratégias como políticas industriais e investimentos públicos são necessárias para acelerar a produção relacionada ao DLS. Por outro lado, para países de alto consumo de energia e materiais, estratégias orientadas para a suficiência são recomendadas, como reduzir as formas menos necessárias de produção e consumo, estender a vida útil dos produtos e fazer a transição de automóveis particulares para o transporte coletivo. Essas recomendações de políticas apoiam diretamente a meta de um futuro justo e ecológico, um princípio fundamental da Economia Ecológica.

5) Lidando com a desigualdade global

As descobertas ressaltam a urgência de reduzir a desigualdade global, particularmente entre o Norte e o Sul globais, tanto para o uso de energia quanto de materiais. Esse foco na equidade e na distribuição justa de recursos é um tema central na Economia Ecológica, que apresenta profundas críticas à distribuição desigual de custos e benefícios ambientais.

 

Em conclusão, a análise do artigo sobre tendências de energia e materiais, sua crítica ao crescimento insustentável do consumo de energia e materiais e suas recomendações de políticas para redistribuição e suficiência ressoam fortemente com os princípios e objetivos fundamentais da Economia Ecológica, defendendo mudanças sistêmicas para se alcançar o bem-estar humano e a sustentabilidade ecológica.

 

Questões ainda em aberto:

1) Como serão atendidas as demandas de energia e materiais dos países deficitários? Através de matrizes energéticas renováveis ou baseadas em combustíveis fósseis?

2) A necessária redução da pegada energética e material dos países superavitários pode ser considerada uma estratégia de decrescimento (degrowth)?

3) Com o crescente uso de Inteligências Artificiais, há uma crescente demanda por energia (para alimentação dos supercomputadores) e água (para resfriamento) nos data centers de países desenvolvidos (superavitários). Como distribuir melhor esses recursos para os países deficitários na pegada energética e de materiais?

4) A partir de uma ótica institucional, quais instituições conseguirão garantir a redistribuição necessária dos países superavitários em consumo de energia e materiais para os países deficitários? Como está funcionando o sistema de negociações internacionais hoje? A ONU conseguirá um acordo multilateral ou deverão ser realizados acordos bilaterais ou em grupos (BRICS, União Europeia, Mercosul etc.)?

 

As questões acima listadas devem orientar as futuras pesquisas do Grupo de Macroeconomia Ecológica (GEMAECO).

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