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A Prioridade é a Segurança Alimentar, não o crescimento do PIB¹

Foto própria da obra “Fome zero” de Hanilson, Pirenópolis, GO.

 

“Quem tem fome, tem pressa” (Betinho)

  

Por Junior Garcia

 

O crescimento econômico, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), é visto como um indicador central de progresso e a solução para problemas socioecológicos, como a insegurança alimentar e a crise socioecológica. No entanto, essa visão é muito limitada e, muitas vezes, contraproducente, especialmente para solução de problemas socioecológicos básicos, como é o caso da situação de insegurança alimentar.

Para começar, o crescimento econômico é apenas o aumento do valor monetário dos bens e serviços novos comercializados ao longo do tempo – normalmente um ano – em um país. O PIB, que é o principal índice usado para medir o crescimento econômico, não reflete adequadamente nem a produção real ao ignorar bens e serviços não comercializados nos mercados, muito menos os aspectos socioecológicos de uma Economia e da Sociedade. Mesmo na Economia Ecológica, que busca integrar as questões ambientais às análises socioeconômicas, há uma tendência de aceitar a premissa de que o crescimento econômico ex ante é essencial para combater a insegurança alimentar. Mas será que essa condicionalidade faz sentido para problemas socioecológicos básicos?

Nesse contexto, qual é a garantia de que o crescimento econômico ex ante — ou seja, o aumento do valor monetário dos bens e serviços novos comercializados no mercado — resolverá a insegurança alimentar? A resposta é, basicamente, que não há nenhuma garantia. Entre 2014 e 2023, por exemplo, o crescimento econômico global foi da ordem de 27% (dados do Banco Mundial), o PIB passou de US$ 73 trilhões para quase US$ 93 trilhões em valores de 2015, enquanto o número de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave registrou aumento de 50%, passando de 1,55 bilhões para 2,33 bilhões, conforme dados da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). Esses dados ilustram a baixa associação entre crescimento econômico e situação de segurança alimentar.

Isso porque focar no crescimento econômico como solução não leva em conta que a produção de alimentos já existente poderia ser suficiente para erradicar a fome – a produção agropecuária primária global superou 8,7 bilhões de toneladas em 2022 (dados da FAO) -, caso fosse distribuída de forma mais equitativa. Para garantir segurança alimentar, em primeiro lugar, o foco deveria estar em aumentar o acesso a alimentos para quem enfrenta insegurança alimentar, e não em aumentar o valor monetário da Economia ou da produção agropecuária. Em segundo lugar, o foco deveria ser a melhoria qualitativa dos sistemas produtivos e dos produtos agropecuários. Em outras palavras, ao invés de buscar incessantemente o crescimento do PIB, para garantir a segurança alimentar não seria mais eficaz concentrar-se diretamente na produção e distribuição de alimentos para quem precisa?

Essa dependência do crescimento econômico como solução para problemas socioecológicos reflete uma falta de coerência com a realidade. Atualmente, enfrentamos uma situação em que existem produção e estoques de alimentos ociosos, desperdício e uma emergência climática que exige ação urgente, direta e efetiva. O relatório da ONU, Índice de Desperdício Alimentar, estimou que foram gerados mais de 1 bilhão de toneladas de resíduos alimentares em 2023, representando 19% dos alimentos disponíveis. Em vez de condicionar a solução de problemas socioecológicos ao crescimento econômico ex ante, seria mais lógico buscar alternativas que independem desse objetivo. Essa mudança de perspectiva poderia libertar os subsistemas socioeconômicos de uma lógica de acumulação financeira contínua que, além de insustentável, apenas tem contribuído para o agravamento da crise socioecológica.

E se até mesmo a Economia Ecológica adotar a condicionalidade do crescimento econômico ex ante, qual será sua real contribuição para a transformação socioecológica? Se limitarmos nossas metas aos moldes da Economia Convencional, vamos perpetuar um subsistema socioeconômico que prioriza a expansão monetária sobre as condições para a vida e o enfrentamento da crise socioecológica. Precisamos de uma autocrítica na Economia Ecológica para não sermos mais uma voz a reforçar a obsessão pelo crescimento econômico como panaceia para todos os problemas.

Os problemas socioecológicos que assolam a sociedade exigem soluções concretas, imediatas e efetivas, sem as amarras da busca pelo crescimento econômico. Devemos reconhecer a urgência de garantir segurança alimentar e enfrentar a crise climática de maneira independente do crescimento (ex ante) do PIB. O crescimento econômico pode ser uma consequência (talvez inevitável) de um subsistema socioeconômico mais justo e sustentável, mas não deve ser considerado como a condição ex ante para a implementação de soluções mais efetivas para os problemas socioecológicos. Afinal, até quando continuaremos a sacrificar a segurança alimentar, os ecossistemas e as próprias condições para a vida em nome de um “progresso” que só existe em números imaginários?

 

Junior Garcia – Professor do Departamento de Economia e Coordenador do Grupo de Estudos em MacroEconomia Ecológica (GEMAECO) da Universidade Federal do Paraná.

 

Notas

¹ O Chat GPT foi utilizado na revisão da redação e organização do artigo. 

 

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