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Resenha “Comercio Internacional Ecologicamente Desigual: Evidencias empíricas para América Latina y el Caribe (ALC) (1970-2017)”

 

Pérez-Rincón, M. A. (2025). Comercio Internacional Ecologicamente Desigual: Evidencias empíricas para América Latina y el Caribe (ALC)(1970-2017). Revibec-Revista Iberoamericana De Economía Ecológica, 38(1), 43-68.

 

Resenha de Lucas Lima (GEMAECO) em 01/10/2025

 

  1. Foco e problema de pesquisa

A pesquisa objetiva demonstrar que o comércio internacional é assimétrico, não apenas em termos econômicos, mas também ecológicos. Esse fenômeno, denominado Comércio Desigual Ecológico (EUT) ou Intercâmbio Ecológico Desigual (IED), sugere que mais valores ambientais são trocados por menos valores econômicos em transações comerciais. O estudo visa corroborar essa assimetria na América Latina e no Caribe (LAC) no período 1970-2017.

 

Aspectos principais do problema

  • Assimetria biofísica: Um problema significativo identificado é a assimetria líquida no balanço material e energético dos países do norte global em relação aos países do sul, o que leva a um déficit biofísico permanente. Esse déficit resulta na transferência da maioria das pressões e cargas ambientais para seus territórios.

 

  • Deterioração dos termos de comércio: O estudo também aborda a deterioração desfavorável dos termos de troca dos países exportadores de matérias-primas. Isso é caracterizado pelo fato de a relação entre os preços de exportação e os preços de importação por tonelada ser desvantajosa para essas nações periféricas (sul global).

 

  1. Objetivos da pesquisa

A pesquisa emprega uma análise empírica baseada em estatísticas de fluxo de materiais e saldos monetários do comércio exterior regional. Essa análise foi conduzida em duas etapas: primeiro, abrangendo todos os países da ALC e, segundo, com foco nos oito maiores países da região (Argentina, Brasil, México, Colômbia, Chile, Peru, Equador e Venezuela).

 

Em essência, a pesquisa destaca como o papel tradicional da ALC como fornecedora de recursos naturais e serviços ambientais para o resto do mundo resultou historicamente em desequilíbrios materiais, monetários e ecológicos para a região, ampliando e comprovando a análise centro-periferia de Raúl Prebisch.

 

  • Metodologia

A metodologia para identificar o Comércio Ecológico Desigual (EUT) exige o uso de indicadores biofísicos de sustentabilidade, geralmente chamados de indicadores de pressão. Esses indicadores são cruciais para analisar os aspectos metabólicos envolvidos na EUT. Os principais indicadores biofísicos destacados incluem:

 

  • Pegada ecológica: introduzida por Wackernagel e Rees em 1996;
  • Pegada de carbono: Desenvolvido por Galli et al. em 2012;
  • Pegada Hídrica: Proposta por Hoekstra et al. em 2009.

 

Esses indicadores ajudam no cálculo dos respectivos saldos comerciais (ecológicos, de carbono e hídricos). Um déficit nesses saldos implica que o padrão de exportação de um país depende mais intensamente de recursos ou gera mais poluição do que seu padrão de importação, aumentando assim a pressão sobre os ecossistemas nacionais.

 

Análise de Fluxo de Materiais (MFA)

A Análise de Fluxo de Materiais (MFA) é o principal método usado para quantificar a economia em toneladas e é amplamente aplicada para analisar o comércio internacional e o EUT. O MFA adere à primeira lei da termodinâmica, afirmando que matéria e energia não são criadas nem destruídas, mas transformadas. Esse indicador mede os insumos materiais em unidades físicas (toneladas métricas) e classifica os materiais extraídos do território nacional em quatro grupos principais: biomassa, minerais metálicos, minerais não metálicos e combustíveis fósseis. Os produtos importados e exportados são categorizados de forma semelhante.

 

Indicadores derivados do MFA

A MFA permite a derivação de dois grupos de indicadores:

 

  • Indicadores extensivos: incluem extração doméstica (DE), entrada direta de material (DMI), consumo doméstico de material (DMC) e balança comercial biofísica (BTB). O BTB é usado especificamente para medir o EUT, indicando o superávit ou déficit comercial biofísico de uma economia. Um déficit significa que as exportações excedem as importações, transferindo as pressões ambientais através das fronteiras.

 

  • Indicadores intensivos: Esses indicadores facilitam as comparações entre os países, compensando as diferenças no tamanho econômico. Os exemplos incluem Intensidade do Material (MI), que relaciona os recursos consumidos ou a entrada de material ao PIB, e a Intensidade da Área, que vincula DMC, DMI ou DE à área de superfície total do país.

 

Outros métodos mencionados:

Embora o MFA seja central, outros métodos também são conhecidos para identificar EUT, embora sejam usados com menos frequência neste contexto:

 

  • Apropriação humana da produção primária líquida (HANPP): Este método estima mudanças na produção primária líquida (NPP) ou biomassa devido às mudanças no uso da terra por humanos. Um saldo comercial do HANPP pode ser calculado incorporando o HANPP às importações e subtraindo-o das exportações para identificar o EUT.

 

  • Análise de entrada-saída (I/O): Originalmente usada em estudos econômicos, ela foi estendida às análises biofísicas por meio de tabelas físicas de I/O (PIOTs) para medir fluxos de materiais e poluição entre o meio ambiente e a economia. Esse método pode ser expandido para várias regiões para analisar o comércio internacional.

 

  • Avaliação do ciclo de vida (LCA): Avalia sistematicamente os impactos potenciais associados a um produto ao longo de seu ciclo de vida, do “berço ao túmulo”. Isso ajuda a identificar o EUT não como um todo agregado, mas por meio de produtos específicos.

 

  • Análise da Cadeia de Mercadorias: Usada no comércio internacional para identificar como a renda econômica e os custos ambientais são distribuídos entre diferentes atores ou fases da cadeia de troca de uma mercadoria.

 

Em resumo, a pesquisa se baseia na Análise de Fluxo de Material (MFA) e seus indicadores derivados, complementados por outras métricas de sustentabilidade biofísica, para demonstrar empiricamente a existência e as características do comércio ecológico desigual na ALC.

 

  1. Resultados encontrados:

O estudo fornece fortes evidências empíricas do Comércio Ecológico Desigual (EUT) na América Latina e no Caribe (LAC) no período 1970-2017, confirmando as duas hipóteses relacionadas à assimetria biofísica e à deterioração dos termos de troca. Isso resultou em desequilíbrios materiais, monetários e ecológicos significativos para a região.

 

Déficit biofísico persistente

  • Déficit biofísico: A ALC apresenta um déficit biofísico contínuo e crescente em todos os setores, indicando que a região exporta significativamente mais recursos materiais e energéticos do que importa. Esse déficit cresceu de -239 milhões de toneladas métricas (MT) em 1970 para -826 MT em 2017, reforçando seu papel como exportador líquido de materiais e energia para o resto do mundo.

 

  • Tendência histórica: Ser um fornecedor de recursos naturais é uma característica enraizada na história da ALC, com as exportações excedendo consistentemente as importações em termos biofísicos por um longo período (1900-2016).

 

  • Dívida ambiental acumulada: Os déficits biofísicos cumulativos durante o período analisado totalizam 21.303 MT de recursos que deixaram a região, criando passivos socioambientais substanciais. Esses déficits são observados em todos os tipos de materiais, incluindo biomassa (-3.809 MT), combustíveis fósseis (-7.693 MT), minerais metálicos (-9.421 MT) e minerais não metálicos (-379 MT).

 

  • Crescimento das exportações: As exportações biofísicas da ALC aumentaram significativamente, de 332 MT para 1.370 MT, multiplicando-se por um fator de mais de quatro. Essa taxa de crescimento de 3,1% ao ano superou a dinâmica da extração doméstica (3%), indicando que a extração doméstica está cada vez mais voltada para a satisfação dos mercados externos. Essa tendência se intensificou com a liberalização econômica na década de 1990, solidificando o papel da região como um subcontinente extrativo (drive primário-exportador).

 

  • Principais setores de exportação: A biomassa e os minerais metálicos foram os principais setores que impulsionaram o aumento das exportações biofísicas da ALC.

 

Deterioração dos termos de troca monetários

Déficit monetário: Ao contrário das expectativas de que os sacrifícios ambientais seriam compensados por ganhos econômicos, a região também teve um déficit monetário durante todo o período. A ALC acumulou um déficit monetário de -USD 45.764 milhões (a preços constantes de 2010), o que significa que mais dinheiro saiu da região do que entrou.

 

Situação paradoxal: Essa combinação de déficits biofísicos e monetários destaca um paradoxo: o aumento da extração e degradação dos recursos naturais nem mesmo é compensado por uma maior renda dos países exportadores. Isso tem levado a déficits em conta corrente e à necessidade de financiamento externo.

 

Taxas de câmbio desiguais: O estudo constatou que a ALC importa consistentemente a um preço médio mais alto do que exporta. Para comprar uma tonelada de bens importados, a região teve que exportar 1,9 toneladas de bens intensivos em recursos naturais no período inicial (1970-1979), número que subiu para 2,7 toneladas no período posterior (2008-2017). Isso indica que o poder de compra das exportações da região diminuiu.

 

Dinâmica de preços: Embora os preços de importação e exportação tenham aumentado, os preços de importação cresceram a uma taxa mais rápida (média anual de 1,5%) em comparação com os preços de exportação (1,4% média anual), exigindo um maior volume de exportações para adquirir a mesma quantidade de importações. A relação entre o valor de exportação por tonelada e o valor de importação por tonelada mostra uma tendência negativa de longo prazo, confirmando a hipótese de deterioração dos termos de troca para exportadores de commodities primárias (hipótese de Prebisch em 1949).

 

Descobertas específicas dos países latino-americanos

  • Déficits variados: Todos os países analisados (Argentina, Brasil, México, Colômbia, Chile, Peru, Equador e Venezuela) apresentam déficits biofísicos, embora alguns sejam mais pronunciados e contínuos (Argentina, Brasil, Colômbia, Equador e Venezuela) do que outros (México, Peru e Chile).

 

  • Superávits monetários: Apesar dos déficits biofísicos, alguns países, notavelmente Venezuela, Chile e Peru, alcançaram superávits monetários, enquanto o Brasil e o México registraram déficits monetários agregados.

 

  • Ênfase setorial: O déficit biofísico varia de acordo com o setor entre os países. Por exemplo, Argentina, Brasil, Chile e Equador são exportadores líquidos de biomassa; Brasil, Chile e Peru são exportadores de minerais metálicos; e México, Colômbia, Equador e Venezuela têm um grande componente de combustível fóssil em seus déficits biofísicos. O papel de maquiladora (montadora) do México e a redução das exportações de minerais do Peru durante um período específico suavizaram seus déficits biofísicos.

 

  1. Conclusões do artigo

A pesquisa demonstra que a ALC enfrenta o duplo desafio de exportar grandes quantidades de recursos naturais e, ao mesmo tempo, receber compensações econômicas inadequadas, levando a uma significativa degradação ambiental e vulnerabilidade econômica. Isso reforça o conceito de EUT como uma característica persistente do sistema econômico global, com profundas implicações para a sustentabilidade e o desenvolvimento na região.

 

  1. Limitações do estudo

Aplicação de Análise de Fluxo de Material (MFA): O estudo usa principalmente a Análise de Fluxo de Material (MFA) para identificar EUT, que quantifica os balanços de material e energia. Embora o MFA seja um método amplamente utilizado para estudar o metabolismo social, ele se concentra nos fluxos físicos e pode não capturar totalmente todas as nuances dos impactos ecológicos ou complexidades socioeconômicas.

 

Dados dos Termos de Comércio (ToT): Embora o estudo reconheça que os Termos de Comércio (ToT) são mais fáceis de se obter, pois os dados sobre toneladas e renda monetária são relatados anualmente, ele também observa que essa abordagem é raramente usada na análise de EUT. Isso sugere que, embora acessível, o método ToT pode ter limitações inerentes ou uma aceitação menos ampla no campo da EUT em comparação com os métodos biofísicos.

 

Análise específica de produtos: O estudo menciona que outras ferramentas, como Avaliação do Ciclo de Vida (LCA) e Análise da Cadeia de Mercadorias (CCA), podem identificar EUT para produtos específicos. No entanto, a análise principal do artigo se concentra nos fluxos agregados de materiais e nos termos de troca para toda a região ou grandes países, em vez de se aprofundar na EUT específica do produto, que pode revelar padrões diferentes.

 

Nuances interpretativas

Saldos monetários versus biofísicos: Destaca-se um paradoxo em que os déficits biofísicos são acompanhados por déficits monetários, o que implica que os sacrifícios ambientais não são compensados por ganhos econômicos. Embora essa seja uma descoberta importante, o artigo não se aprofunda extensivamente nos mecanismos ou políticas específicas que levam a esse déficit simultâneo, além das declarações gerais sobre as necessidades de financiamento externo.

 

Relações causais: Embora o estudo identifique correlações e tendências, ele apresenta principalmente evidências históricas e não estabelece explicitamente vínculos causais diretos para todos os fenômenos observados, como o impacto preciso das políticas econômicas em fluxos de materiais específicos ou toda a gama de consequências socioambientais.

 

Em resumo, embora forneça evidências robustas da EUT na região, as limitações do estudo incluem seu foco agregado, o prazo específico dos dados e o escopo inerente às metodologias escolhidas, que podem não capturar todos os detalhes ou desenvolvimentos recentes.

 

  • Relação entre os resultados do estudo e a Economia Ecológica

Alguns objetivos fundamentais da Economia Ecológica foram abordados no estudo.

 

  • Sustentabilidade das relações entre o subsistema econômico e o meio biofísico: A Economia Ecológica analisa a sustentabilidade nas relações entre o subsistema econômico e o sistema natural que o sustenta. O foco do estudo no EUT, que revela como o comércio internacional leva a desequilíbrios materiais e energéticos e a custos socioambientais expressivos, investiga diretamente a insustentabilidade das práticas econômicas atuais.

 

  • Escala do subsistema econômico: Um objetivo da Economia Ecológica é examinar a escala do subsistema econômico em relação à biosfera. O estudo contribui para isso ao demonstrar como a liberalização do comércio acelerou a degradação ambiental por meio do aumento da extração (e comercialização) de recursos materiais e energéticos, indicando uma escala insustentável de atividade econômica.

 

  • Distribuição de bens e serviços ambientais: A Economia Ecológica também aborda a distribuição equitativa de bens e serviços ambientais e seus benefícios e custos associados entre países e grupos sociais, o que se alinha à justiça ambiental.

 

As conclusões do estudo sobre a EUT mostram explicitamente como as pressões e encargos ambientais são desproporcionalmente transferidos para os países periféricos (sul global), que são exportadores líquidos de matérias-primas, enquanto os benefícios geralmente são direcionados aos países centrais (norte global).

 

Validação empírica de hipóteses EUT (paradoxo dos déficits duplos)

Assimetria biofísica: O estudo corrobora empiricamente a hipótese de uma assimetria líquida no balanço material e energético contra os países latino-americanos, levando a um déficit biofísico permanente e transferindo pressões ambientais para seus territórios. Esse é um princípio central da EUT, enfatizando o fluxo físico de recursos.

 

Deterioração dos termos de comércio: A pesquisa também confirma a segunda hipótese da EUT: a deterioração dos termos de troca para os países exportadores de matéria-prima. Isso significa que esses países recebem menos valor econômico por suas exportações em relação às importações, levando ao dumping ecológico e ao aumento da exploração dos recursos naturais.

 

Crítica dos modelos convencionais de comércio e desenvolvimento

Desafiando o modelo das vantagens comparativas: A Economia Ecológica critica a ideia de que o comércio internacional é um jogo de soma positiva e desafia as vantagens comparativas estáticas. O estudo apoia isso ao mostrar que países abundantes em recursos naturais geralmente perdem economia e meio ambiente, já que sua especialização em bens naturais intensivos leva a maiores custos ecológicos não refletidos nos preços de exportação. O estudo afirma explicitamente que a especialização ecológica intensiva da região não é um processo natural, mas construído politicamente e depois “naturalizado”.

 

Extrativismo e subdesenvolvimento: As descobertas se alinham com a perspectiva da Economia Ecológica de que a atual divisão internacional do trabalho, onde os países ricos são consumidores e os países em desenvolvimento são fornecedores de matéria-prima, perpetua um ciclo de extrativismo, degradação ambiental e subdesenvolvimento. O estudo destaca como a necessidade de financiar as importações e a dívida externa leva os países da ALC a práticas ecologicamente destrutivas e à intensificação da exploração de recursos.

 

Em síntese, a análise empírica detalhada do estudo sobre fluxos de materiais e termos de troca na ALC fornece evidências robustas da existência e dos mecanismos da EUT, apoiando e enriquecendo diretamente as estruturas teóricas e as preocupações da Economia Ecológica em relação à sustentabilidade, à equidade e aos limites biofísicos do crescimento econômico.

 

  • Questões ainda em aberto:
  • Existem mecanismos de compensação econômica e social que considerem o paradoxo dos déficits duplos (déficits biofísicos – exportar mais recursos naturais do que importados) e (déficits monetários – mais dinheiro saindo da região do que entrando)?

 

  • Quais seriam os fatores contextuais mais amplos e as implicações políticas (papel das mudanças geopolíticas na região)?

 

  • A transição energética global, impulsionada por iniciativas como o Acordo de Paris, está criando demandas por metais e terras raras, potencialmente levando a uma nova onda de expansão extrativa nas regiões do sul para componentes de energia renovável. Quais serão os impactos neste paradoxo dos déficits duplos?

 

As questões acima listadas devem orientar as futuras pesquisas do Grupo de Macroeconomia Ecológica (GEMAECO).

 

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